quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O bustiê roxo e os festivais na Paraíba de 60, 70, 80…

Foi 21 de outubro de 1967 o dia em que a música brasileira teve um dos marcos da sua história. No Teatro Paramount, em São Paulo, acontecia a final do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, onde, diante de uma plateia fervorosa e disposta a tudo, alguns dos artistas hoje considerados fundamentais para a MPB se revezavam no palco para competir entre si. A partir desta noite brilharam Caetano, Chico, Gil, Edu Lobo, Mutantes e outros nomes que o documentário ‘Uma Noite em 67’, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil e lançado recentemente, mostra de maneira inusitada, revelando bastidores inesperados.

Mesmo sem previsão de estrear nos cinemas da Paraíba, o tema do documentário reaviva memórias que também fazem parte da história da música paraibana e acende a discussão sobre a utilidade dos festivais que revelaram grandes nomes Brasil a fora, e na Paraíba também. Se a nostalgia é tão necessária, não dá pra fugir da reflexão sobre o papel que esses espaços representavam e lembrar de como essa realidade nacional se refletiu na música paraibana.

As canções daquela última noite se tornariam emblemáticas, mas até aquele momento permaneciam inéditas. Entre os 12 finalistas, Chico Buarque e o MPB 4 vinham com “Roda Viva”; Caetano Veloso, com “Alegria, Alegria”’; Gilberto Gil e os Mutantes, com “Domingo no Parque”; Edu Lobo, com “Ponteio”; Roberto Carlos, com o samba “Maria, Carnaval e Cinzas”; e Sérgio Ricardo, com “Beto Bom de Bola”.


Enquanto isso na sala da justiça


Chico Ramalho e os compactos gravados nos festivais

E enquanto tudo explodia em São Paulo, o que acontecia em terras paraibanas? Também na década de 60 os festivais explodiram por aqui e revelaram nomes como Vital Farias, Chico César, Elba Ramalho, Zé ramalho, Kátia de França, Glorinha Gadelha, Marcus Vinícius, Pedro Osmar e muitos outros.

Na década de 60 os ecos desses festivais nacionais começaram a se propagar pela Paraíba. O radialista Francisco Ramalho, o Chico Ramalho, lembra dos primeiros festivais, nos quais se envolveu na divulgação e apresentação. Em 16 de janeiro de 1965 foi realizado o I Festival de Bossa Nova da Paraíba, organizado pelo Centro de Arte e Cultura (CAC), que envolvia Manfredo Caldas, Guy Joseph, Marcus Vinicuis e Carlos Aranha. Chico conta que o Festival, que não era competitivo, lotou o Teatro Santa Roza na tarde chuvosa de sábado para espanto dos organizadores que não acreditavam muito que aquela idéia podia dar certo.

Tanto deu que, embalado no mesmo clima, em 1967 foi realizado o I Festival Paraibano de MPB, organizado por Expedito Pedro Gomes e que teve mais quatro versões, de 1968 a 1971. Esta primeira edição já teve caráter competitivo e apresentou como ganhador do primeiro lugar Zé Pequeno e Genival Veloso com a música ‘O repente’. Com o segundo lugar ficou ‘Meação’, de Luiz Ramalho. O sucesso foi tanto que o II Festival Paraibano de MPB aconteceu logo no ano seguinte, em abril de 1968, e trouxe como ganhadores Luiz Ramalho com a música ‘O Tropeiro’, e Vital Farias e Jomar Souto com a canção ‘Eu sabia, sabiá’.

O resultado desses dois festivais está gravado em dois compactos cujos últimos exemplares estão com Chico Ramalho, que também tem as apresentações gravadas em fita cassete. “Naquela época os festivais eram um sucesso. Havia o interesse das gravadoras, é claro, principalmente nos grandes festivais nacionais, mas os artistas não tinham os mesmo espaços que tem hoje para mostrar seus trabalhos e era uma oportunidade especial de se apresentar e interagir com o público. O Teatro Santa Roza ia a loucura com os shows”, recorda Ramalho.

Em 1969, era tão grande o interesse da cidade pelo festival, que ele foi realizado num espaço bem maior, o ginásio do Clube Astréa, com transmissão direta da Rádio Arapuan, de onde Ramalho era diretor.

Quando perguntando se hoje o fato de não existirem mais festivais com esses formatos afetaria de maneira negativa as oportunidades dos novos artistas mostrarem seus talentos, Chico avalia que não. Segundo ele, na conjuntura de hoje não cabe mais esse tipo de proposta. “Hoje existem outras maneiras de divulgar os trabalhos e os próprios artistas não se interessam mais. Em um dos últimos festivais que aconteceram por aqui tivemos que solicitar que os cantores e compositores se inscrevessem porque ninguém se habilitou”, avalia Chico.


O bustiê roxo de Carlos Aranha


Carlos Aranha no Festival Paraibano de MPB

O jornalista e compositor Carlos Aranha, que participou ativamente de todas as edições dos festivais, lembra da revolução que as iniciativas causaram. O jornalista relata que concorreu em 1968 no II Festival Paraibano de MPB com duas músicas: “Giramulher”, em parceria com o irmão, o pianista Fernando, e “Canção do ter’, com letra de José Nêumanne.

“ ‘Giramulher’ ficou em segundo lugar com mais da metade do público vaiando o júri durante mais de três minutos, porque era a música que “caiu no gosto”. Uma revolução. Parecia coisa assim tipo, Beatles em sua primeira fase. Fui acompanhado pelos Quatro Loucos, uma banda que tinha Zé Ramalho fazendo a guitarra-base. Fizemos o que a juventude queria”, lembra Carlos Aranha.

Usando um bustiê roxo, uma calça verde de veludo, um colar de couro com o símbolo “hippie” e batom nos lábios, em 1969 Carlos Aranha conta que abalou as estruturas do Astréa com a música “Ivone, pelo telefone”. Mas a irreverência não agradou muito os jurados que deram a canção a colocação de 10º lugar. Em 1970, concorreu com “Objeto de utilidade pública”, que ficou em quarto lugar. Mas em 1971 ganhou os prêmios de 1º e 2º lugar, melhor letra e melhor intérprete, no Festival Campinense da Canção com as músicas “Caminheiro”, em parceria com Gilvan de Brito, e “Por qualquer cem mil réis”, parceria com Cleodato Porto.

Depois de toda efervescência, os festivais deram uma parada e só foram retomados quase uma década depois com o Festival do Sesc, dos quais o compositor ainda participou de algumas edições e entrou em 1990 com “Sociedade dos poetas putos”.

Carlos Aranha Festival de 1968

“Esse modelo de festival começou a declinar com a censura, a forte intervenção da ditadura militar. O segundo motivo foi a queda da qualidade nas letras, que começaram a não mais entusiasmar a maioria da juventude. Falo da juventude engajada. Por que? Surgiram compositores que passaram a não querer dividir a autoria com nossos melhores poetas”, avalia Carlos Aranha.

Para o jornalista, o modelo daqueles festivais estava afinado com a época, com a resistência à ditadura, com a busca da liberdade plena. Seus produtores pensavam como os compositores e produtores hoje pensam somente em ganhar dinheiro ou em ter uma boa assessoria, salvo algumas exceções.

Então, se os festivais eram vitrine para novos artistas, estaríamos perdendo um forte instrumento de divulgação com a falta de realização desses eventos? Eles deixaram de ser úteis pela diversidade de formas de divulgação que temos hoje? Carlos Aranha acredita que não há diversidade de formas de divulgação. “O rádio e a televisão, nem pensar. Quando se fala em Internet pode fazer uma pesquisa: quem está invadindo a área é somente o pessoal do rock, que é muito bom. Os demais são acomodados e preferem as “velhas formas de viver””, diz o compositor.

Ele afirma que a maioria dos compositores não usam bem a Internet, ou simplesmente não usam. “Enfim, acredito que essa coisa da Internet chegará ao ponto de uma explosão no meio de nichos bem localizados e as pessoas de música vão ter que sentar com os tais agentes culturais e começarem um novo ciclo. É coisa para mais uns cinco ou dez anos”, profetiza Carlos Aranha.


“A jaula está dentro de nós”


Cantor, compositor, músico e instrumentista Pedro Osmar

Talvez a nova geração que curta a música do Jaguaribe Carne nem saiba que o grupo surgiu em um festival realizado no Liceu Paraibano em 1974. O cantor, compositor, músico e instrumentista Pedro Osmar, lembra não só desse, mas de outros festivais que aconteceram também entre a década de 80 e 90.

O músico não lembra detalhes de datas, mas registra o Festival Universitário da Música Paraibana, que acontecia no Unipê, o festival do Cefet-PB, outro realizado na UFPB, um de música carnavalesca organizado pela Funjope, entre alguns outros pontuais.

“Dentro deste cenário nacional, a Paraíba foi o primeiro Estado do Nordeste a realizar festivais. Não há dúvida que eles deram visibilidade a toda uma geração de artistas e numa ponte entre intelectuais e artistas da Paraíba e de Pernambuco revolucionaram o modo de fazer música em um movimento que daria origem ao Tropicalismo”, afirma Pedro Osmar.

Para as novas gerações, o músico deixa a pergunta: “Por que vocês não querem mais festivais?”. Pedro afirma que a MTV e a geração que ela arrasta acabou com a cultura local e que o momento pós ditadura militar acalmou ânimos e atitudes. “Tivemos uma realidade cultural desmontada pela ditadura. Enquanto existia a censura existia a rebeldia e o esforço criativo para falar o que queríamos sem sermos presos. As novas gerações devem se perguntar o que estão fazendo”, alfineta Pedro Osmar.

Na opinião dele, aquela época não volta mais. O formato daqueles festivais competitivos não funcionaria na atual conjuntura.

Numa analogia com o processo de democratização, Osmar reflete: “Criava-se um animal numa jaula. O animal foi crescendo, crescendo, mas a jaula não foi trocada por uma maior. Agora o animal está enorme e onde foi parar a jaula? A jaula está dentro do animal. A jaula está dentro de nós”.


E agora, josé?


Hoje, as iniciativas exploram novos formatos e um dos festivais firmados no estado é o Festival Mundo, organizado pelo Coletivo Mundo. O Festival anual de arte independente é realizado desde 2005, em João Pessoa, e integra em sua programação shows, exposição de artes plásticas, mostra audiovisual, feira de empreendedorismo cultural, debates e oficinas.

O Festival Mundo não tem caráter competitivo e reúne na Capital paraibana bandas independentes de todo o país. É filiado a Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) e já recebeu artistas, produtores e jornalistas de renome nacional e internacional.

Seriam hoje festivais como o Mundo, a nova forma de expressão de uma juventude que está sempre em busca de novas maneiras de grito? Para Carlos Aranha, não existem mais festivais hoje, existem mostras. “Pra ser sincero, só detecto fruições e movimentos novos, hoje em dia, no rock’n'roll. Vejam aqui na Paraíba a qualidade e a continuidade de ser rebelde, mas à procura de um mercado, que está no Festival Mundo, tendo esse Rayan Lins à frente. Baterista e agitador cultural, Rayan é o Pedro Osmar do século 21, com outra linguagem, é claro. Estou falando é da questão do ativismo. Prestem atenção nas ações do Coletivo Mundo”, registra Carlos Aranha.

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*Matéria publicada no Caderno 2 do Jornal Correio da Paraíba em 15 de agosto de 2010.

Texto: Renata Escarião

Fotos: Dayse Euzébio e Assuero Lima

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